quarta-feira, 20 de junho de 2018

Na era da comunicação ninguém se comunica

Sem querer ser saudosista no alto dos meus quase 30, mas com certeza quem viveu nos anos 80 e 90 vai concordar que naquela época o povo tinha mais coragem.
Lembro de quando recebia e enviava cartas. Eu tinha uma caixa cheia delas. E não era cartas apenas de namoradas. Eu recebia de amigos também, e às vezes até de alguns parentes.

Sei que o lance de carta hoje em dia é démodé. O problema é que justamente agora que temos toda sorte de ferramentas e App para nos expressarmos e conversarmos uns com os outros, não expressamos, e quando fazemos quase sempre é duma maneira genérica e covardona.

Explico.

Lembro que antigamente quando eu tinha um desentendimento com algum amigo ou menina que estava afim, chegava e trocava ideia no recreio, ou na porta de casa. E quando a treta era muito forte ou complexa, eu recorria às cartas e acredito que sempre conseguia atingir meu objetivo: me comunicar de uma forma tão clara que era impossível a pessoa não entender o que eu queria ou precisava dizer.

Lembro também sobre o quanto nós éramos interessados sobre como o outro pensava ou se sentia. E da-lhe caderno de perguntas, diários compartilhados, e até o famigerado AskMe pra saber um pouco mais sobre fulana ou sicrano.

Voltando aos dias de hoje agora numa visão quase pessimista, lembro duma frase do Edi Rock:
"No mundo moderno as pessoas não se falam. Ao contrário, se calam, se pisam, se traem e se matam"
Parece caótico. Mas olhe ao redor. À menos que tu seja gratificado e tenha no seu círculo de amizades apenas pessoas muito bem resolvidas, com mais de 30 anos e que não sejam tão narcisistas, sabe bem que o rapper não tá falando besteira.

tipo de humor comum das redes.
Afinal
Qual foi a última vez que um amigo te ligou ou passou uma msg falando que tava precisando conversar?
Qual foi a última vez então que algum afeto te abordou indiretamente pra te mandar uma real do tipo "hey, acho que estou gostando de ti. E acho também que daríamos certo, se você quiser"?

E veja, não estou romantizando a coisa toda. Ou você acredita mesmo que nenhum amigo precisa mais de uma conversa franca ou que não tem ninguém com sentimentos ambíguos sobre ti?

O sentimento, a necessidade de se conectar de verdade ainda existe. Mesmo que te digam que não, que tá tudo bem.

Acredito que um dos maiores problemas deste período que vivemos é justamente a angústia. E grande parte dessa angústia acontece por perdermos a capacidade de nos expressarmos e comunicarmos de forma direta uns com os outros. Seja com amigos, seja com uma garota que estamos afim, seja com nossos pais.
Se você abrir o instagram, vai observar que a maioria das postagens são memes que expressam indiretamente algum desconforto de quem postou, com algum tipo de humor mascarado. É engraçado observar.

Observo também que quando acabo por magoar alguém, já não espero que a pessoa chegue até mim e troque uma ideia. Mas quase sempre acerto em esperar que a pessoa se faça que tá tudo bem. Mas o clima pesado segue.

Tem alguns estudiosos que já sacaram isso e deram nomes aos bois. Um deles é o Pedro Calabrez do canal Neurovox. Ele fala sobre máscaras sociais e depois de refletir, acabo por concordar que um dos maiores causadores dessa angústia que por sua vez é causada pelo distanciamento, é a máscara social que refletimos nas nossas redes.
Funciona da seguinte forma: a pessoa não está bem. Mas por mais maluco e ilógico que possa ser, essa pessoa ao postar uma foto, demonstra justamente o completo oposto do que ela sente. O resultado é um feed de pessoas aparentemente perfeitas e felizes. Aparentemente.

E nessa onda, vieram também novos conceitos e filosofias. O que seria muito bom, se não fosse um detalhe: as pessoas quase nunca leem sobre tal conceito ou filosofia à fundo. pega uma parte que se encaixa apenas no momento presente e usa indevidamente e de maneira rasa. Um desses conceitos é o desapego. Não vou abordar sobre pq não é tema deste texto. Mas resumidamente, o povo tá entendendo tudo errado sobre desapego. E esse é só um dos.
Poderia falar também sobre amor livre, sobre amor, mas isso levaria muito tempo, e como provavelmente muitas poucas pessoas irão ler até aqui, não faria muito sentido ficar aqui gastando.

E qual é meu papel no meio disso tudo?
Bom, primeiramente eu defino os meus contatos em redes em dois grupos: pessoas que realmente me importo e que são importantes pra mim, e pessoas.
Pro primeiro grupo, ainda que seja sofrido visto que estamos todos no mesmo barco, eu tento à minha maneira ser o mais coração aberto possível. Quando eu to puto porque a pessoa pisou na bola, eu falo. Tenho amizades sinceras ao ponto de ainda marcarmos de conversar coisas sérias apenas pessoalmente. E por incrível que pareça ainda escrevo cartas para questões mais complexas (e vejo que ainda funciona muito bem, inclusive).

Pro outro grupo de pessoas, eu apenas existo como personagem nas redes.
É bem sincero> eu apenas demonstro e sou aberto pra amizades verdadeiras e\ou de longa data. Também não acho que a solução seja ser totalmente aberto nas redes sociais. Aliás acho que isso só ferraria ainda mais o quadro geral.



Nenhum comentário:

Postar um comentário